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A Crise nos Correios e as falhas na administração: Da reestruturação às ameaças ao Trabalhador

Publicado em 17/03/2016 13:34

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A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está diante da maior crise de sua história. Frente a isso, a nova direção dos Correios, empossada em novembro do ano passado, vem com uma proposta de reestruturação para salvar os cofres da empresa, que se encontra à beira de um colapso.  O problema é que nesse processo todo de reformulação, a nova diretoria, assim como as anteriores, parece mais interessada em atender os interesses do mercado e de partidos políticos. Como conseqüência, os trabalhadores, mais uma vez, são ameaçados a pagar a conta da crise.

O trabalhador, maior patrimônio da ECT, sua base de sustento, não é prioridade para a empresa, pois suas necessidades não são contempladas por esta proposta de reestruturação.

Os escândalos financeiros no Postalis e na Postal Saúde, a falta de investimentos em infraestrutura, logística, a manutenção de serviços obsoletos, entre outros, contribuem para que a empresa e, principalmente, seus empregados, amarguem um prejuízo gigantesco. Ainda assim, as soluções propostas estão aquém do esperado. Há de se questionar essa crise, um tanto contraditória. Enquanto não há dinheiro para investir no trabalhador, há recursos disponíveis para parcerias, aquisições milionárias, patrocínios elevados.

A criação da CorreiosPar (Correios Participações S/A) é um exemplo disso – integra o “plano de recuperação” da empresa. A ECT investiu R$570 milhões (R$ 300 milhões somente no ano passado) para a implantação do projeto, que consiste na formação de uma subsidiária de capital 100% da estatal, criada para gerir participações acionárias em áreas consideradas estratégicas, tais como o segmento postal-financeiro, a logística integrada e a comunicação digital.  Onde está a crise? O que falta – dinheiro ou prioridade nos gastos?

Na defesa dos direitos e emprego do trabalhador, a Findect tem sido incansável na busca de diálogo e negociação com o primeiro escalão da estatal. A entidade tem incomodado e conquistado avanços na luta para impedir o desmonte e a consequente privatização da ECT.

Entre os dias 9 e 11 deste mês, a diretoria da federação, diretores, suplentes e representantes do conselho fiscal estiveram reunidos em São Paulo para discutir a reestruturação da ECT no âmbito das questões relacionadas ao trabalhador. A situação da mulher, dos aposentados, questões raciais, problemas recorrentes, como DDA, Entrega Matutina, entre outros, integraram a pauta de discussão. Os dirigentes da Findect debateram ainda as eleições para a direção financeira do Postalis e o Conselho de Administração da ECT.

À convite da FINDECT, a VIGEP e a VIPOS, afetados fortemente pela crise, esteve presente no segundo dia de debate. A intenção da Findect foi fazer com que a direção ouvisse o ponto de vista dos participantes, bem como suas reivindicações. “Mostramos o sentimento da base, as necessidades e a demanda de cada região”, declarou José Aparecido Gimenes Gandara, presidente da federação.

A empresa ouviu críticas por não discutir abertamente a proposta de reorganização e atropelar o debate com os Trabalhadores na tomada de decisões. Para a Findect, o projeto de reformulação da ECT não está claro para os trabalhadores, há interesses escusos. Em razão disso, a entidade deixou bem claro à direção dos Correios que, caso a empresa não discuta, negocie e atue de forma transparente e democrática neste período de mudança, convocará a categoria para uma greve geral.

Em entrevista ao site da Findect, Gandara avaliou o encontro da direção e falou sobre a visão e expectativas da classe. “Damos a oportunidade de ouvirem o que a base pensa. Percebemos que eles, influenciados, querem manter o projeto que estava sendo aplicado na gestão anterior. E nestas áreas, Postal e de RH, há hoje um descontrole total, por falta de uma gestão técnica – é mais política”, avaliou.

Para ele, a atitude da nova administração em manter o contato com os representantes da categoria é válida. Porém, considera insuficiente, pois, segundo afirma, as decisões ainda são tomadas “de cima para baixo”, sem considerar as questões colocadas pela categoria.

“Antes a gente não tinha esse contato, eles não atendiam nossos convites – pelo menos demonstram boa vontade em conversar e ouvir o que pensamos. A conjuntura dos Correios hoje é muito ruim e consideramos positiva atitude da direção em aceitar o convite de vir aqui e nos ouvir. Mas é preciso muito mais, um compromisso maior com a classe trabalhadora”, destacou.

 Confira os principais pontos da entrevista:

GANDARA-FALANDO

 Que avaliação o senhor faz deste encontro? A presença da ECT produziu o efeito esperado?

Gandara: A reunião foi proveitosa. Acreditamos que muito do que ouviram aqui provocou certo efeito. Contestamos algumas informações apresentadas por eles, e num determinado momento, sentimos que ficaram convencidos de que não estavam 100% corretos em suas afirmações quanto a realidade da ECT. 

Esperamos que encaminhem e considerem os nossos pedidos. Mediante a nossa solicitação, a direção prometeu implantar até o dia 30 deste mês a Entrega Matutina em todas as unidades. Mas é preciso muito mais, porque toda essa demanda que temos hoje – a questão da assistência médica, do Postalis, tudo isso influencia diretamente no bolso do trabalhador, que já ganha pouco. A gente só vai recuperar a empresa se esta direção de agora provar, por meio de suas ações, que está realmente ouvindo os trabalhadores. Isso se mostrará, inclusive, com a valorização do empregado, por meio do recrutamento interno, da meritocracia, onde o trabalhador cresça pelos próprios méritos e ocupe os cargos de direção da empresa, pondo fim às indicações políticas.

 O que a Findect propõe para esse processo de recomposição?

 Nas reuniões que fizemos com o presidente da empresa, apresentamos a ele o que são os Correios fora da administração central, a parte que ele conhece, convive. Mostramos a importância das Direções Regionais, o papel fundamental que elas exercem para que a ECT funcione e pedimos mais autonomia e investimentos para elas. Hoje, as DRs são totalmente submetidas à administração central. Porém, nem sempre as resoluções da central correspondem às demandas e peculiaridades de cada região. 

Durante esses encontros a Findect  propôs, convidou a nova gestão para visitar e conhecer a realidade das DRs. Propusemos também que a vice-presidência da empresa, dividida em sete setores, trabalhem em parceria, pois cada setor vem atuando como uma empresa separada dos Correios, sem interlocução entre eles. As áreas devem estar interligadas para atender as necessidades de maneira mais eficiente.

Estamos brigando para que os Correios revejam e esclareçam essa reestruturação para que se obtenha os efeitos desejados. A mudança é necessária. No entanto é preciso uma discussão ampla, um planejamento maior, mais democrático, com a participação de quem carrega essa empresa nas costas – os trabalhadores. A direção da ECT precisa atentar a isso. A concorrência com outras empresas nos grandes centros tem aumentado muito, principalmente contra o principal produto dos Correios – o Sedex. É importante a empresa enxergar isso e agir com mais responsabilidade antes que seja tarde.

 Quais os principais problemas enfrentados pelos trabalhadores dos Correios em decorrência da má administração anterior e da crise?

 Assistência médica é o principal deles. Tivemos um alívio no início do mês quando solicitamos a vice-presidência, responsável pela gestão de pessoas, o pagamento das faturas dos planos de saúde. Eles regularizaram os pagamentos em  SP. Foi uma demanda pesada, onde ficamos 4 meses lutando, vendo funcionários, muitos deles com problemas graves de saúde, sem assistência, tendo seus convênios cortados. Por fim conseguimos. Mais os problemas são muitos. Entrega Matutina, DDA, a crise no Postalis, que está com rombo muito grande e estão jogando a dívida para os trabalhadores. Sofremos com a falta de funcionários, de concurso público, recrutamento interno, com a desvalorização dos empregados. A ECT, nos últimos cinco anos caiu num abismo, por conta de uma gestão desastrosa.

 Estamos buscando uma forma de levantar a empresa, mas também pedimos que essa administração valorize os funcionários de carreira e não coloque pessoas por meio de indicações políticas para ocupar cargos estratégicos, principalmente na área operacional onde os trabalhadores são mais atingidos.

 E como fica a situação com projetos como o PLS 555, por exemplo, na iminência de ser aprovado?

 O PLS 555 atinge as grandes empresas estatais e visa o enxugamento da máquina do governo. Na verdade, o que eles querem é isso. Os Correios são uma empresa de comunicação e se o governo não a manter como estatal, a população vai sofrer, pois 95% as agências no Brasil são deficitárias. A população dos municípios também será prejudicada, os serviços básicos de entrega de correspondência, serviços como os programas sociais do governo que, para atingir todo o território, usa a estrutura dos Correios, enfim, este é um papel importante que a ECT cumpre socialmente. A empresa já tem parte das ações no mercado e nós tememos uma privatização total, onde os 120 mil trabalhadores que atualmente têm estabilidade estarão ameaçados. Se essa empresa for privatizada, o que acontece com esse quadro de funcionários? O papel da federação e dos sindicatos é defender o emprego e os trabalhadores dos Correios. Por isso esta situação também nos preocupa.

 Qual o principal temor dos trabalhadores em relação a essa reestruturação proposta?

 É a criação, já confirmada, da CorreiosPar – a formação de parcerias com empresas coligadas, que já atuam no mercado. Com isso, a ECT contratará empresas para trabalhar e fazer o serviço dos Correios. Com isso, trabalhadores podem ser prejudicados com demissões, sobrecarga de trabalho e redução de salários, por exemplo. É um risco a ser considerado. Com o tempo, pode ocorrer ainda a contratação de outras empresas – uma para entrega de correspondência, outra para entregar encomendas, e os Correios terão todos os seus serviços administrados por essas companhia, ocasionando assim o enxugamento da empresa, restando apenas sua estrutura administrativa.

 Como a Findect enxerga essa reestruturação que os Correios estão propondo?

 A Findect é contra a reestruturação da forma como está ocorrendo. A ECT quer manter toda a sua estrutura centralizada em Brasília. Entendemos que a descentralização, com mais autonomia para as diretorias regionais é o caminho para promover melhorias. As estruturas regionais podem resolver diretamente com os clientes e trabalhadores a maioria das demandas que surgem. Hoje o trabalhador das DRs é administrado de Brasília, trabalha por meio de decisões e ofícios que vêm de lá – tudo muito distante. O trabalhador não é máquina, precisa ser ouvido, ter contato com a administração, não pode simplesmente receber papéis com ordens para executar as atividades. Então, fortalecer a estrutura das DRs é o caminho. É preciso fortalecer as DRs, dar mais autonomia, assim as necessidades serão atendidas de maneira mais eficiente. A distancia também faz perder cliente. Se a estrutura não estiver junto para atender solicitações que exigem resposta imediata, o cliente vai procurar outra empresa. É o que vem acontecendo.

Ao assumir, a nova direção, Giovani Queiroz prometeu diálogo e garantiu a participação dos trabalhadores no processo de reorganização dos Correios. Isso está ocorrendo? A nova gestão vem correspondendo às expectativas?

 Ele assumiu o compromisso e tem feito reuniões conosco. É inegável que há um respeito com as entidades e um esforço deles em promover o diálogo. Mas entendemos o seguinte – parceria não é aquela em que você é apenas informado do que acontece dentro da empresa – é isso que estão fazendo. Parceria é criar projetos, discutir e aprová-los em conjunto, de maneira democrática. A nova administração dos Correios veio de fora, por indicação política – eles não conhecem a realidade como nós. Quem conhece os Correios são os trabalhadores de lá. Abrir um canal de sugestões não é suficiente. Os trabalhadores devem participar ativamente nesse processo. Montar um grupo elitizado, lá em cima, sem ouvir a base, o carteiro, o atendente, que conhecem a realidade e a origem do problema, não vai mudar nada. 

 É preciso nos incluir na tomada de decisões dentro da empresa. O caminho é esse – dar oportunidade para a gente participar. Os trabalhadores têm grande contribuição a dar. No entanto, são subestimados tornando-se impotentes frente a essa situação.

 Ruth Helena de Souza – Findect

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