Investigações trazem à tona documentos com cobrança no plano de saúde do Correios
Publicado em 04/11/2015 15:14
Fonte:
Flávia Junqueira
Uma nota fiscal da empresa de próteses Neurosurgical mostra que seis parafusos e uma placa para uma cirurgia de mão custaram ao Hospital Badim, na Tijuca, R$ 36.500. Esse valor aparece com um acréscimo de 20% — ou seja, mais R$ 7.300 — no formulário “Autorização de Materiais para Procedimento Cirúrgico”, do Correios, no qual a gerência de saúde da estatal autoriza o pagamento à unidade de saúde. O que o Correios e o hospital chamam de “taxa de comercialização previamente acordada”, para a Polícia Federal tem outro nome: propina.
A informação sobre as cirurgias consta da representação enviada pela PF ao Ministério Público Federal em setembro. Esta não foi a única transação suspeita entre a Neurosurgical e o Correios. Fontes ligadas à PF revelam que pelo menos outra cirurgia em que a empresa foi a fornecedora de próteses está sendo investigada. Trata-se de uma operação de coluna realizada em 26 de junho de 2013, no Hospital Geral Dr. Beda, em Campos dos Goytacazes. Neste caso, a “taxa de comercialização” também é cobrada sobre o valor de materiais que estariam superfaturados.
Um dos itens, um adesivo cirúrgico, custou R$ 4.200. Uma ata de registro de preços usada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, em maio de 2014, mostra que o mesmo produto saiu por R$ 43,35. O superfaturamento alcançou 9.588%.
As irregularidades não param aí: entre os orçamentos levantados para a compra de material, estão o da Neurosurgical e o da Axial. A polícia levantou que Patrícia Vaz Caldas, sócia da primeira empresa, seria também representante da segunda.
Patrícia e sua sócia, Simone Firmino, seriam amigas do então diretor regional da estatal no Rio, Omar de Assis Moreira. Investigado por envolvimento no esquema de fraudes, o ex-chefão do Correios no estado foi afastado do cargo em novembro do ano passado, por uma decisão judicial que também determinou o bloqueio dos seus bens.
Na última terça-feira, agentes da PF cumpriram mandados de busca e apreensão na sede da Neurosurgical e nas residências de Simone, Patrícia e da filha de Omar, Juliana de Almeida Moreira, que trabalhava na empresa de próteses na época em que as cirurgias foram realizadas.
Hospitais negam irregularidades
A Neurosurgical emitiu as duas notas — nos valores de R$ 74 mil e R$ 36.500 — entre maio e junho de 2013, quando a Polícia Federal já investigava as fraudes no plano de saúde do Correios.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), as investigações apontam que 12 hospitais, dez empresas e pelo menos sete pessoas participavam do esquema. Ainda segundo o MPF, a quadrilha autorizava a antecipação de pagamentos a unidades de saúde em troca de propinas. O grupo também superfaturava valores de cirurgias e elevava preços de diárias e taxas cobradas por alguns hospitais, além de terem pagado por serviços que não foram prestados.
Em nota, a direção do Hospital Badim afirmou que “seu contrato de prestação de serviço com a operadora de saúde do Correios não inclui o fornecimento de material de órtese e prótese, salvo em cirurgias de emergência, onde é respeitada a indicação do médico responsável e a autorização da operadora de saúde”.
Martha Henriques, diretora administrativa do Hospital Dr. Beda, explicou que a unidade envia para o Correios as cotações das empresas indicadas pelo cirurgião e, após a autorização da operadora de saúde da estatal, compra o material. Quanto à “taxa de comercialização”, Martha alega que isso é “normal” e consta em contrato assinado com a estatal. O EXTRA não localizou Omar Moreira e Juliana Moreira.
Casa do ex-gerente de Saúde do Correios: piscina aquecida Foto: Fábio Guimarães/ 09.05.2014 / Extra
Superfaturamento
Em 19 de agosto de 2013, o EXTRA publicou a primeira reportagem sobre o superfaturamento de preços pagos pelo plano de saúde do Correios em materiais cirúrgicos. A empresa pagou mais de R$ 961 mil por uma das operações, mas um levantamento feito pelo EXTRA mostrou que os materiais utilizados não sairiam por mais de R$ 90 mil na época.
Salto para o luxo
O luxo da casa do ex-gerente de Saúde do Correios Marcos Esteves, chamou a atenção da PF. O homem que, num intervalo de oito anos, saiu de um imóvel modesto em Água Santa para uma casa de 400 metros quadrados com piscina aquecida num condomínio em Jacarepaguá, recebeu pena de 11 anos de prisão pelos crimes de peculato (quando funcionário público se apropria de dinheiro ou bem de que tem a posse em razão do cargo) e extravio de documentos no esquema de fraudes no plano de saúde da empresa. Esteves recorre da pena em liberdade.
Marcos Esteves foi condenado Foto: Reprodução Facebook / Extra
Cirurgia-fantasma
Em dezembro de 2013, o EXTRA denunciou que o Hospital Espanhol chegou a cobrar mais de R$ 500 mil do Correios por uma cirurgia-fantasma de mandíbula. Apesar de autorizado, o pagamento nunca foi feito e o paciente não foi submetido à cirurgia.
Serviços pagos
Em outro caso, mostrado em fevereiro de 2013, o pagamento por serviços-fantasmas chegou a ser feito. O Correios pagou mais de R$ 1 milhão ao Hospital Balbino, entre 9 de novembro de 2011 e 12 de março de 2012, sem que nenhum serviço fosse prestado. O hospital negou envolvimento com as fraudes.
Em hospital ou festa?
Investigações da PF mostraram que o ex-assessor da direção do Correios no Rio João Maurício Gomes da Silva fraudou o plano de saúde da estatal com a internação de uma mulher, dependente dele, que custou R$ 53 mil aos cofres públicos. De acordo com o prontuário de Thaisa Guedes, ela teria ficado hospitalizada entre 24 de julho e 14 de agosto de 2013. No entanto, no dia 27 de julho, ela aparece em fotos postadas numa rede social numa festa. A falsa internação rendeu a Janjão um indiciamento por peculato, a perda do cargo e da matrícula de funcionário público.
Prejuízo milionário
A Operação Titanium, realizada pelo Núcleo de Repressão a Crimes Postais, da Delegacia de Repressão a Crimes contra o Patrimônio da PF, atua em conjunto com o MPF. O valor desviado dos cofres da estatal pelo esquema, que envolveria funcionários, fornecedores de próteses, hospitais e médicos, chegaria a R$ 21 milhões, de acordo com investigações ainda em curso.
Reprodução: Jornal Extra